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  • Foto do escritorMarcos Maia

Depressão



A depressão tem sido foco de diversas discussões no campo da saúde. Embora haja casos e menções em períodos anteriores, foi ao final do século XX que a depressão passou a obter maior destaque, tendo em vista o aumento de quadros relatados e de casos diagnosticados nos consultórios.

Há um texto escrito em 1915 intitulado Luto e Melancolia em que Freud aborda o problema de quadros caracterizados pelo abatimento doloroso, perda de interesse pelo mundo, inibição das atividades, entre outros sintomas, como típicos tanto em casos de luto, quanto de melancolia. Nesse texto, o luto é entendido como uma manifestação não patológica – embora em alguns casos possa se tornar patológico com o tempo – provocada por uma perda (seja de um ente querido, uma mudança de cidade, de trabalho ou outro evento de ruptura), enquanto a melancolia, ainda que possa decorrer de um evento disparador como o luto, corresponde a uma condição patológica.

Naquele período também ocorria uma associação entre o luto e a melancolia, porém Freud indica, como uma diferença fundamental, a perda da autoestima ocorrida na melancolia e não no luto. Entretanto, a melancolia abordada nessa obra de Freud não é o mesmo que a depressão, tão tratada atualmente.

A literatura sobre o tema indica que a depressão pode ter causa genética, bioquímica ou decorrer de eventos vitais. Ou seja, um quadro depressivo poderia corresponder a uma predisposição familiar, assim como poderia ser efeito da carência de determinadas substâncias cerebrais (neurotransmissores como a noradrenalina, a serotonina e a dopamina), como também ser provocado por um evento (ou uma combinação de eventos) ocorrido na vida de uma pessoa. Em alguns países da Europa, por exemplo, ocorre o que se denomina como depressão sazonal, que se apresenta com a chegada do inverno. Porém, essas são hipóteses para a causa da depressão, pois ainda não há uma comprovação contundente que possa sinalizar o fator determinante.

É possível considerar também alguns fatores para a elevação da ocorrência de casos de depressão a partir do fim do século XX. Entre esses fatores, vale mencionar os avanços das ciências neurobiológicas, resultando num maior número de estudos sobre o tema, como também algumas transformações no modo de vida contemporâneo como fruto do neoliberalismo.

No modo de vida atual, frequentemente, o sujeito é arrancado de sua temporalidade, submetido a uma aceleração na vida cotidiana que, consequentemente, exerce um efeito de empobrecimento psíquico, precariedade nas relações humanas, comprometimento desejante e exaustão.

As relações humanas em si também têm sido transformadas ao longo desse período, passando a ser cada vez mais intermediadas por objetos de consumo e definidas por status. Esses objetos de consumo, pelos quais o sujeito é seduzido por diversos meios na vida pública e até mesmo privada, apresentam uma promessa de satisfação do desejo, enquanto ocorre uma deterioração dos laços sociais e as relações passam a se reduzir entre as pessoas e a obtenção e manipulação de mercadorias e de mensagens.

Também vale destacar a multiplicação de estímulos aos quais as pessoas são expostas no cotidiano atualmente, não mais se limitando a estímulos reais, entrando em cena os estímulos virtuais de maneira instantânea. Com isso, as redes sociais exercem um papel relevante na percepção de realidade, ainda que frequentemente distorcida, pois com o imperativo do gozo característico nos tempos atuais, em que as pessoas são sempre lindas de acordo com os padrões de beleza estabelecidos (ainda que com ajuda de filtros e edições fotográficas) e obrigadas a demonstrar felicidade por todo o tempo, simulando assim uma vida quase perfeita, sempre alegre e exitosa, quem está na “vida real”, no outro lado da tela, com suas típicas mazelas e condições não tão generosas impostas pela realidade, ao observar toda aquela espécie de “paraíso” exposto pelas redes sociais, facilmente se depara com uma sensação de impotência produzindo o sentimento de uma vida fracassada, muito distante de ser interessante.

Além desses fatores, cabe destacar também a conjuntura social caracterizada por uma competitividade feroz, desemprego, violência (seja urbana ou doméstica, física ou psicológica), entre outros que inevitavelmente contribuem de forma intensa para o surgimento de quadros depressivos.

Num viés psicanalítico, a depressão pode ser entendida como uma patologia dos processos de reconhecimento do eu e do outro, assim como um comprometimento do desejo, articulada à cultura da performance e ao condicionamento ao desempenho, além da imposição da produção à qual a existência de um lugar no mundo para o sujeito fica subordinada.

Uma das características mais agravantes de um quadro depressivo é o surgimento de hábitos sintomáticos que o intensificam ainda mais. Em analogia a uma gripe, por exemplo, é como se uma pessoa tivesse seu quadro gripal cada vez mais intensificado a cada espirro. Hábitos característicos como o sedentarismo, isolamento social e redução ou extinção de experiências de intimidade são alguns desses agravantes.

Uma ressalva importantíssima a ser acrescentada ao tema é a de que nem toda tristeza é depressão. Em tempos da cultura de felicidade compulsória, é comum que se patologize quaisquer períodos de tristeza, visto que a tristeza é inconveniente tanto para as representações sociais, quanto para os processos produtivos no mercado de trabalho, logo não são raros os casos em que se recorre a substâncias antidepressivas para neutralizar uma tristeza ou luto não elaborado, o que pode ter consequências nocivas.

Um quadro depressivo pode ser entendido por diversos prismas diante de determinadas circunstâncias. O psicanalista Antonio Quinet afirma que a depressão, como fruto da articulação entre interesses e saberes da atualidade, não existe na clínica, pois o que são considerados são estados vivenciados em determinados momentos na história de um indivíduo que apresentam uma característica subjetiva. O psicanalista Christian Dunker utiliza, em algumas ocasiões, a analogia entre a depressão e uma febre, considerando que a febre sinaliza uma infecção no organismo, de modo que a depressão pode sinalizar algum aspecto da vida que esteja provocando sofrimento psíquico.

É importante ter em vista que a tristeza, assim como a alegria, é condição inerente à vida e não deve ser deslegitimada. Não há vida sem tristeza. É importante não confundir o sentimento árido decorrente da perda de um ente querido, de um animal de estimação, do rompimento de um relacionamento, da perda de um emprego, da mudança de uma cidade, entre tantas circunstâncias possíveis, necessariamente com a depressão. Essas condições de entristecimento precisam ser devidamente elaboradas e de algum modo expressadas para que o processo tenha seu desfecho natural. Em outros casos, a tristeza também pode ser o indicativo de rompimento de um limite diante de uma condição de vida que precisa ser transformada ou ressignificada.

Por fim, é importantíssimo que não se tente contradizer uma pessoa deprimida de seu estado utilizando discursos motivacionais (“você é uma pessoa cheia de saúde, não fique assim”, “reaja, você precisa se divertir”, “não fique assim, você tem casa e comida e tem muita gente em situações bem piores”, entre outros) ou discursos de choque (“você é muito pessimista”, “quando você vai sair dessa?”, “pare de drama”, “isso é tudo frescura”), pois isso só agrava o quadro depressivo com o aumento da sensação de impotência. Esses discursos são análogos a repreender uma pessoa com deficiência visual a olhar por onde anda para não esbarrar em ninguém numa rua movimentada.


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