top of page
  • Foto do escritorMarcos Maia

Burnout



Em 1ºde janeiro de 2022, a OMS classificou o burnout como uma doença ocupacional.

Burnout é a denominação para uma condição de rompimento de limites causado por fatores estressores decorrentes do trabalho.

Atualmente é evidente no mercado a difusão de discursos sobre perfis de trabalhador ideal, incluindo fatores como flexibilidade, polivalência, proatividade e disciplina postos como garantias contra o temido risco de desemprego, incidindo assim sobre formas ideais de trabalho.

Nessa conjuntura, estão em jogo os elementos formais do trabalho, tais como jornadas de trabalho, cargos, salários, entre outras, e aqueles que não são ditos, mas que produzem efeito sobre a conduta adotada pelo trabalhador.

Chegar mais cedo ou sair mais tarde? Eis uma regra nem sempre formalizada, explícita, mas que supostamente conota maior prestígio ao trabalhador perante a organização. Quando o trabalhador não se compromete a tal rotina, pode ser produzida uma ameaça de substituição por outro profissional do mercado que “vista a camisa” da organização, se submetendo a maiores jornadas de trabalho, supostamente aumentando a produção.

Quando se atribui a uma pessoa uma carga de trabalho excessiva ou tarefas que extrapolam o que uma pessoa seja capaz de executar em seu tempo de expediente normal, acredita-se que essa pessoa possa produzir mais, ainda que ocorra uma possível agressividade que não pode ser direcionada a seus superiores. No entanto, ao reter essa agressividade, ela pode extravasar no próprio trabalho, trabalhando com raiva e mais introspectiva, entregando resultados superiores ao que seria esperado.

Em alguns casos, isso acontece de forma indireta, quando o trabalhador é convidado a ser um empreendedor, o patrão dele mesmo, abrindo mão de seus direitos em troca de atuar como pessoa jurídica ou até mesmo se tornando num sócio minoritário. Em tese não haveria a figura do chefe, mas as demandas são as mesmas ou até superiores como condição para obtenção de sua renda, o que consequentemente conduz o trabalhador a uma maior jornada para conseguir entregar o resultado.

Ainda assim, em determinados casos é preciso cumprir horário e se submeter a hierarquias numa organização, mesmo não sendo formalmente um funcionário com registro em sua carteira, condição essa que em tese livraria o empregador de conceder férias, entre outros benefícios previstos em lei.

Principalmente a partir da pandemia da Covid-19, aliada aos avanços tecnológicos, uma modalidade de trabalho também passou a ser muito utilizada: o home-office.

Frequentemente, nessa modalidade, as jornadas de trabalho se tornam mais “flexíveis”, em que o trabalhador acaba estendendo suas horas de trabalho para conseguir entregar resultados, extrapolando assim a fronteira entre trabalho e vida pessoal, do mesmo modo que frequentemente ele pode ser requisitado “emergencialmente” a qualquer momento, independente do dia e/ou horário.

Diante dessa conjuntura, com a exposição a condições insalubres à saúde psíquica, a pessoa vai apresentando gradativamente alguns sintomas típicos de esgotamento. Nesses casos, frequentemente a pessoa entra num quadro de estresse crônico, ou seja, o estresse passa a fazer parte do cotidiano natural, durante o qual se começa a desenvolver problemas psicossomáticos, intensificando também um estado de irritabilidade.

Inicia-se uma necessidade cada vez maior de descanso pleno nos dias de folga, de praticar somente atividades que não requeiram o exercício do pensamento, tal como a dita procrastinação. Mas ainda que se descanse cada vez mais, que se tenha horas suficientes de sono, a pessoa continua sempre cansada, com fadiga. O descanso e as horas de sono deixam de ser capazes de oferecer satisfação.

Com isso a pessoa vai perdendo também a capacidade de sentir prazer. Essa falta de prazer aliada à demanda de descanso efetivo vai comprometendo sua vida pessoal, como indisposição para brincar com os filhos, para encontrar com os amigos etc. Sua vida social vai passando a se limitar ao trabalho, aos colegas de trabalho, assim como seu humor passa a ficar subordinado aos aspectos derivados do trabalho.

Essa incapacidade de sentir prazer e satisfação às vezes leva a uma busca por recursos momentâneos como o alcoolismo, o tabagismo, entre outros. Além disso, a desregulação no organismo decorrente do sofrimento psíquico tem levado as pessoas a recorrerem a substâncias para funções que deveriam ser naturais, como medicamentos para dormir, automedicação de ansiolíticos, medicamentos para melhorar a capacidade de atenção e foco e substâncias estimulantes em geral, tendendo assim a um processo de dependência química.

A apreensão é um fator que vai se apresentando num ambiente excessivamente intenso de trabalho. A tradução do conflito em falha, a produção de culpa, a necessidade de antecipação de demandas, de atuar para além do tempo produtivo sob o suposto risco de punição são disparadores. O ideal de ser proativo, viver em aceleração, controlar o processo produtivo como uma forma de controlar a si mesmo, resultando em maior engajamento se tornam rotina. Condutas adequadas à saúde são traduzidas como descomprometimento. Autoavaliação rígida constante sob risco de punição.

Enfim, com o tempo, o trabalhador vai entrando num estado de alienação de si mesmo em que seus elementos de prazer são postos em stand by, assim como sua vida pessoal, seus incômodos, sua identidade, às vezes até mesmo sua vida sexual, estabelecendo uma indiferença a si mesmo para assim não “atrapalhar” sua produção no trabalho.

Essa condição se estende até que a pessoa simplesmente não consegue mais voltar para o trabalho, sem saber o que aconteceu. Ela passa a ter repentinos sintomas sem saber o motivo. Por mais que uma pessoa se anestesie dos aspectos de sua vida pessoal, eles continuam existindo e, posteriormente, eles retornam, entre outras condições, através de um quadro de burnout.

Pode-se dizer que o burnout decorre da gestão do sofrimento, da transformação do sofrimento psíquico em capital.



Posts recentes

Ver tudo
bottom of page